Artigos
A IMPRENSA DE GUTENBERG E A INTERNET
“Meus filhos terão computadores sim, mas antes terão livros.” Bill Gates
Até meados do séc. XV, a reprodução do conhecimento se fazia essencialmente através dos monges copistas, pontuados em algumas dezenas de mosteiros e universidades.
Em 1455, o ourives alemão Johann Gutenberg (c. 1398–1468) inventou a tipografia, cabendo-lhe o mérito de ser o primeiro, pelo menos no Ocidente, a utilizar tipos móveis metálicos feitos de uma liga especial de chumbo, estanho e antimônio. Projetou um novo tipo de prensa, baseada naquelas usadas para espremer uvas. Preparou uma tinta especial, à prova de borrões. Esse sistema operacional de impressão funcionou tão bem que perdurou praticamente inalterado até 1811, quando outro alemão, Friedrich Koenig, substituiu a mesa de pressão por um cilindro com acionamento a vapor e capaz da fantástica tiragem de 1 100 cópias por hora.
Gutenberg dedicou um ano e meio para imprimir 200 lindíssimas Bíblias de 1 282 páginas, escritas em latim, utilizando tipos góticos com iluminuras. Sobreviveram apenas 12, impressas em pergaminho.
Tive a ventura de conhecer um exemplar na mansão de Huntington, nas cercanias de Los Angeles. Confesso que fiquei extasiado diante de sua beleza plástica e gráfica. Obra de artista e gênio. Henry Huntington adquiriu essa preciosidade em 1919 pela bagatela de US$ 50.000.
— Quanto vale hoje? – perguntei.
— Não há dinheiro que remova essa raridade – respondeu solicitamente a diretora da Huntington Library.
Com a imprensa, o mundo sofreu uma vigorosa transformação e, de pronto, influiu extraordinariamente sobre o Renascimento. Tamanho foi o alcance e a influência da tipografia de Gutenberg, que foi considerada a maior revolução tecnológica do milênio, pois propiciou a democratização do conhecimento, com impressão em escala de livros e jornais.
Nessa época, a Europa possuía cerca de 50 milhões de habitantes. Só 15% sabiam ler, pois raramente conseguiam livros. O engenho de Gutenberg se propagou espantosamente e fez dobrar em poucos anos o número de europeus alfabetizados. Em 1500, já circulavam meio milhão de livros.
Se vivemos hoje a Era do Conhecimento, é porque alçamos sobre ombros de gigantes do passado. A Internet representa um poderoso agente de transformação do nosso modus vivendi et operandi. Só no Brasil, são 51 milhões de usuários, e o nosso país é o líder mundial em tempo de navegação: cerca de 21 horas por mês (considerando o brasileiro que tem acesso à rede).
É um marco histórico, um dos maiores fenômenos de comunicação e uma das mais democráticas formas de acesso ao saber e à pesquisa. Mas, como toda inovação, cabem lhe ressalvas. Possui potencial, cuja medida não deve ser superdimensionada. Seu conteúdo é fragmentado, desordenado e, além do quê, cerca de metade de seus bites é descartável, é entulho, é lixo.
Segundo o Ibope, atualmente 88% dos domicílios da classe A têm computador. Na classe B, o índice é de 55%. E, previsivelmente, há forte redução nas classes C (16 ) e D/E (apenas 2%). “O importante – se faz oportuno Joelmir Beting – é organizar ações coletivas públicas e privadas, para que tenhamos a difusão dos micros e dos softwares didáticos no rodapé da pirâmide social”.
Vivemos ainda uma fase de exclusão digital. Longe, portanto, do homo digitalis. Destarte, é falaciosa e prematura a assertiva de que o acesso on-line representa um poderoso nivelador de oportunidades entre ricos e pobres. O gueto tecnológico e a estrutura de desigualdades socioeducacionais entre os países permanecem inalterados.
“Aprender é como parto: é uma coisa linda, mas dói”, ensina Pedro Demo. E não é barato! Ademais, para retirar uma comunidade do atraso, não basta o aporte substancioso de recursos tecnológicos e financeiros. Requer pessoas comprometidas e altruístas para alterar a cultura e o status quo de latência, apatia e falta de iniciativa. Requer professores motivados, entusiasmados, com disposição alegre e com visão holística. Sem isso, é exigir que a comunidade levante seu corpo puxando os próprios cabelos.
Jacir J. Venturi Diretor de escola, professor da UFPR por 25 anos e da PUCPR por 11 anos. Cidadão Honorário de Curitiba. Autor dos livros Álgebra Vetorial e Geometria Analítica e Cônicas e Quádricas.