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HAJA TEMPO PARA PROVER E EDUCAR
Sacrificar a vida pessoal em prol dos filhos faz-se necessário. Significa, sim, menos lazer, menos convivência com os amigos, menos academia. Mesmo cansado(a) em razão das fortes exigências profissionais, pode-se ir além para cumprir o papel de pai ou mãe.
Pertinente é a revelação de um psicólogo à escritora Lya Luft: “A maior parte dos jovens perturbados que atendo não tem em casa um pai ou uma mãe, tem um gatão e uma gatinha. Tem uma mãe que não troca cabeleireiro e academia por horas de afeto com os filhos, ou um pai que corre atrás do dinheiro para manter a família acima de suas possibilidades, por ilusão sua ou desejo de status de uma mulher frívola.”
Há tempo para bem prover, há tempo para bem educar. Essa é a excelsa sabedoria. Não erra o pai ― ou mãe ― que trabalha muito para suprir as necessidades presentes e futuras de seus familiares.
A propósito, recordo-me de um singelo apólogo que enseja uma reflexão sobre a disponibilidade de tempo:
Todo dia o mesmo ritual: o pai extenuado chega em casa, à noite, após o duro dia de trabalho. Seu filho, com os olhos cheios de admiração, abraça-o, trocam algumas palavras sobre a escola e se despedem com beijos na face, o “boa-noite” e o “durma com os anjos”.
Certo dia, com a voz tímida, o garoto pergunta ao pai que acaba de chegar:
— Papai, quanto você ganha por hora?
O pai, surpreso, desconversa. O filho insiste:
— Papai, quanto você ganha por hora?
O sempre ocupado pai promete uma resposta para o dia seguinte, mas se aflige com a pergunta. Passado algum tempo, dirige-se ao quarto do filho e o encontra deitado.
— Filho, você está dormindo?
— Não, papai! − responde o garoto.
— Querido, eu ganho doze reais por hora.
O filho levanta-se da cama, abre a gaveta e conta doze notas de um real. Abraça o pai com ternura e, com os olhos cheios de lágrima, pergunta:
— Você pode me vender uma hora do seu tempo?
Esse pai erra, sim, se não arranjar tempo para nutrir afetivamente cônjuge e filhos, e devotar-se a demonstrar que a dedicação do trabalho é modelo de responsabilidade.
Conhecemos pais que trabalham muito para o necessário cumprimento dos deveres no magno papel de provedores. Esses pais merecem – como comumente se observa – as críticas pelo excesso de labor? E o homem e a mulher têm que suportar estoicamente as desgastantes cantilenas: “Workaholic! Seu nome é trabalho, seu sobrenome é hora-extra!”?
Nesse contexto, importa muito a qualidade do afeto, bem mais que a quantidade de tempo disponível ao filho. O abraço, o beijo, o aconchego, o diálogo adequado à idade, a imposição de limites, o acompanhamento do rendimento escolar, a presença nos momentos de lazer ou doença e a transmissão (pela palavra e pelo exemplo) de valores éticos e de cidadania podem ser praticados diariamente – com ênfase nos feriados e finais de semana – por pais que trabalham nove ou dez horas por dia.
A experiente psicóloga Rosely Sayão faz-se presente ao debate: “O mundo mudou muito e as crianças também. Só uma coisa não mudou: elas continuam a necessitar da presença cuidadora, reguladora, protetora, dedicada e atenciosa dos adultos.”
Imprimamos no filho um pouco de nós, pelo diálogo e pelo exemplo. Eduquemos menos pelos cromossomos e mais pelo “como-somos”.
Em geral, a falta de disponibilidade para educar é uma boa desculpa. Quanto tempo dedicamos aos desafetos? Ao lazer individual? Talvez seja o tempo que falta aos nossos queridos familiares e amigos.
Jacir J. Venturi É diretor de escola e autor de livros. Foi professor da UFPR e PUCPR.