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EUCLIDES: “NÃO HÁ ESTRADA REAL PARA A GEOMETRIA”
Pouco se conhece de sua vida, mas muito de sua principal obra. Euclides (c.325 - c.265 a.C.), provavelmente, recebeu os primeiros ensinamentos de Matemática dos discípulos de Platão.
Ptolomeu I – general macedônio (favorito de Alexandre, o Grande) – trouxe Euclides de Atenas para Alexandria. Esta se tornara a nova capital egípcia no litoral mediterrâneo e centro econômico e intelectual do mundo helenístico. O sábio fundou a Escola de Matemática na renomada Biblioteca de Alexandria, que pode ter alcançado a cifra de 700.000 rolos (papiros e pergaminhos).
Alexandria, a partir de Euclides até o séc. IV d.C., reinou quase absoluta não só como a mais eclética e cosmopolita cidade da Antiguidade, mas também como principal centro de produção matemática.
A mais conspícua obra de Euclides, Os Elementos (c. 300 a.C.), constitui um dos mais notáveis compêndios de Matemática de todos os tempos, com mais de mil edições desde o advento da imprensa. A primeira versão impressa dessa obra apareceu em Veneza em 1482. Foi uma tradução do árabe para o latim e serviu de livro-texto nas escolas por quase 2.000 anos. Tem sido − segundo George Simmons − “considerado como responsável por uma influência sobre a mente humana maior que qualquer outro livro, com exceção da Bíblia".
Conta-se que o rei Ptolomeu, tendo folheado o manual, perguntou esperançosamente à Euclides se não havia um caminho mais suave para aprender Geometria. Lacônico, o matemático teria respondido: "Não há uma estrada real para a Geometria".
Euclides não se preocupava com os aspectos práticos da Matemática, e sim com a sua fundamentação teórica. Destarte, dá para entender uma pequena história:
— Mestre, para que serve a Geometria? – perguntou-lhe um discípulo.
Euclides chama seu escravo:
— Dê três moedas a este estudante, pois ele precisa ter lucro com o que aprende!
Os Elementos são uma compilação metódica e ordenada de 465 proposições reunidas em 13 rolos de pergaminhos. Sua característica é o rigor das demonstrações, o encadeamento lógico dos axiomas, postulados, teoremas e a clareza na exposição. Sua proposta é uma Geometria dedutiva, despreocupada das limitações práticas, contrastando com a Geometria egípcia, de caráter intuitivo e fulcrada em problemas concretos.
São notáveis os principais axiomas (premissas universalmente verdadeiras) de Euclides: 1) duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si; 2) o todo é maior que a parte; 3) se iguais são somados (ou subtraídos) a iguais, os resultados permanecem iguais.
Dos 13 capítulos em que se subdivide a obra, os seis primeiros tratam da Geometria Plana Elementar; os três seguintes da Teoria dos Números, o capítulo X trata dos Incomensuráveis (números irracionais) e os três últimos, da Geometria no Espaço.
O capítulo XIII aborda exclusivamente as propriedades dos cinco sólidos regulares, denominados Poliedros de Platão. Lembramos que um poliedro (do grego poli (muitas) + edro (faces)) é um sólido cuja superfície é constituída de faces poligonais. O poliedro é regular se suas faces forem polígonos regulares. Há apenas cinco poliedros regulares: o tetraedro (4 faces triangulares), o cubo ou hexaedro (6 faces quadradas), o octaedro (8 faces triangulares), o dodecaedro (12 faces pentagonais) e o icosaedro (20 faces triangulares).
Faz-se oportuna a asserção de George Simmons: "A construção de poliedros regulares fornece um clímax soberbo à Geometria de Euclides, e alguns conjecturam que esse foi o propósito primeiro pelo qual Os Elementos foram escritos: o de glorificar os Poliedros de Platão". Na proposição 18, a última, o sábio prova que não pode haver um outro poliedro regular, além dos 5 mencionados.
Além do manual em epígrafe, a bibliografia de Euclides é eclética e valiosa: Os Dados (solução de problemas geométricos planos); Da Divisão (trata da divisão de figuras planas); Fenômenos (Geometria esférica aplicada à Astronomia); Óptica (que trata da Geometria dos raios refletidos e dos raios refratados); Introdução Harmônica (música).
E para infelicidade de milhares de matemáticos, muitas das obras de Euclides se perderam: Lugares de superfície, Pseudaria, Porismas (que pode ter representado algo próximo da nossa atual Geometria Analítica). Precipuamente, lamenta-se o desaparecimento de As Cônicas, obra do autor que, conforme referências, deve ter tratado de esfera, cilindro, cone, elipsoide, paraboloide, hiperboloide, etc.
A Biblioteca de Alexandria estava muito próxima do que se entende hoje por Universidade. E se faz apropriado o depoimento do insígne Carl B. Boyer, em a História da Matemática: "A Universidade de Alexandria evidentemente não diferia muito de instituições modernas de cultura superior. Parte dos professores provavelmente se notabilizou na pesquisa, outros eram melhores como administradores e outros ainda eram conhecidos pela sua capacidade de ensinar. Pelos relatos que possuímos, parece que Euclides definitivamente pertencia à última categoria. Nenhuma descoberta nova é atribuída a ele, mas era conhecido pela sua habilidade ao expor. Essa é a chave do sucesso de sua maior obra, Os Elementos”.
Destarte, Euclides foi sinônimo de Geometria e reinou absoluto até o séc. XIX, quando foi parcialmente contestado por Riemann, Lobatchewski e Bolyai (criadores das Geometrias não-euclidianas).
Na Teoria da Relatividade, a Geometria euclidiana nem sempre é verdadeira. Exemplo: no gigantesco campo gravitacional, que orbita nas vizinhanças dos buracos negros e nas estrelas de nêutrons. Mesmo assim, o próprio Einstein se faz reconhecido: “Quem, na juventude, não teve seu entusiasmo despertado por Euclides, certamente não nasceu para ser cientista”.
Jacir J. Venturi Diretor de escola, professor da UFPR por 25 anos e da PUCPR por 11 anos. Cidadão Honorário de Curitiba. Autor dos livros Álgebra Vetorial e Geometria Analítica (9ª edição) e Cônicas e Quádricas (5ª edição).