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COISAS DE MANÉ... MAS DE MANÉ GARRINCHA
Foi bicampeão mundial, jogou nas Copas de 1958 e 1962. Nesta, com a contusão de Pelé, o gênio das pernas tortas, Mané Garrincha, foi de longe o principal jogador. Na semifinal contra os donos da casa, Garrincha liquidou a defesa adversária, mesmo litigando contra uma torcida hostil e um juiz peruano gatuno. O jogo terminou em Brasil 4 x Chile 2, com dois gols de Garrincha e um cruzamento certeiro para Vavá cabecear. No dia seguinte, o Jornal El Mercurio estampou: Garrincha: ¿de qué planeta usted viene?
Até o circunspecto Carlos Drummond de Andrade se rendeu aos seus encantos, quando o craque morreu, em 1983: “foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam e não há outro Garrincha disponível.”
Garrincha foi um legítimo representante do futebol-arte, alegria do povo. Jogou 60 partidas pela seleção brasileira, de modo que participou de 52 vitórias, sete empates e sofreu apenas uma derrota. Esta, (in)justa, em sua última partida, quando a seleção canarinho perdeu para a Hungria por 3 x 1, na Copa de 1966.
Histórias hilárias a seu respeito são muitas. Vejamos:
O rádio que só falava alemão
Durante a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, o nosso grande ponta-direita entra numa loja e se encanta com o rádio que estava na prateleira. Pede para ligar na tomada e ouve uma locução numa língua incompreensível. Ao seu lado, o zagueiro Orlando Peçanha – tremendo gozador – sussurra:
– Você está pensando em comprar o rádio? Não, não, ele só fala alemão!
De pronto, o nosso querido Mané desistiu de seu sonho de consumo.
“ARTE” na capital do Renascimento
Já na véspera da Copa de 1958, num amistoso contra o Fiorentina, em Florença, Garrincha driblou toda a defesa italiana e, em seguida, o goleiro. Ficou livre para chutar em direção ao gol. Parou a bola. Viu o zagueirão em disparada na sua direção. Endiabrado, o nosso craque deu um drible tão estonteante que o zagueiro bateu com a cara na trave. Só então – pimba! – um golaço.
O técnico Vicente Feola surtou de raiva. Irritadíssimo, chamou-o de moleque irresponsável, atrevido e, por isso, perderia a condição de titular.
Assim o fez: a desfeita ao adversário custou ao nosso Mané a reserva – de Joel – nos dois primeiros jogos na Copa da Suécia.
Já combinou com os russos?
Garrincha detestava duas coisas: educação física e as preleções dos técnicos. Esquemas táticos? Soavam-lhe como palavrões!
Jogadas criativas e dribles sempre para a direita eram suas características. Claro que seus marcadores sabiam disso. Mas, qual o quê! Levavam a pior!
Na Copa de 1958, véspera do jogo contra a Rússia, então URSS, a preocupação era Tsarev, temível lateral incumbido de uma missão impossível: segurar Mané.
O técnico Feola se esmerava junto ao nosso craque: “quando o Tsarev vier em disparada, passe a bola. Quando o outro beque vier pela direita, drible pela esquerda...”. Enfim, havia mil recomendações, cabendo as iniciativas aos russos.
Na sua simplicidade, Mané Garrincha lança a pergunta demolidora:
– O senhor já combinou tudo isso com os russos?
Presente naquela memorável partida, Nilton Santos conta que “os russos começaram marcando mano a mano. Tsarev foi o primeiro a ser abatido por Garrincha. De repente, um amontoado de russos estavam em volta dele. Era hilariante o desmanche que Mané fazia por ali”.
Foi um jogo memorável e uma grande vitória de 2 x 0, com o nosso craque jogando à sua maneira.
Carlos Drummond também disse, oportunamente, que “se há um deus que regula o futebol, Garrincha foi um de seus delegados, incumbido de zombar de tudo e de todos nos estádios”.
Jacir J. Venturi Diretor de escola, professor da UFPR por 25 anos e da PUCPR por 11 anos. Cidadão Honorário de Curitiba.