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Brasil, um país que ainda negligencia a Matemática
Os poucos oásis que temos em pesquisa matemática não seriam motivo para nosso desalento, mesmo sabendo que não é diferente em outros países em desenvolvimento, se um dos grandes males que verdadeiramente nos acometem não fosse a cultura de pouca valorização à Matemática e à têmpera racional da mente, como também pouco valorizamos o mérito, o esforço e o bom rendimento escolar.
Contribuem para esse cenário as seduções do mundo digital, de conteúdo geralmente fútil, quando não pernicioso, que contribui para que a maioria de nossas crianças e adolescentes tenha preguiça de pensar, não mergulhando fundo nos conteúdos, consequentemente resultando no aprendizado fast-food, fugaz: aprende rápido e esquece rápido.
Contudo, em tempos da eclosão da inteligência artificial, algoritmos, mineração de dados e da 4ª Revolução Industrial, nunca se deu tanto valor para o profissional com boa capacidade de raciocínio, capaz de tomar decisões lógicas (“resolvedor” de problemas) e com bom domínio das ciências dos números.
Todavia, todas as avaliações nacionais ou internacionais corroboram com a assertiva de que não temos uma cultura de valorização das Ciências Exatas. No último Saeb, por exemplo, apenas 9,1% dos concluintes do Ensino Médio apresentaram aprendizado adequado dos conteúdos de Matemática. Ademais, entre 78 países participantes do último Pisa nos posicionamos na 71ª colocação em Matemática, o pior resultado dos países latino-americanos participantes, ou seja, atrás de Uruguai, Chile, Peru, Colômbia e Argentina.
O Pisa revelou, também, que 68,1% dos nossos adolescentes de 15 anos de idade não possuem nível básico em Matemática, considerado o mínimo necessário para o exercício pleno da cidadania. A próxima aplicação do Pisa, em 2021, será com ênfase em Matemática, uma vez que, mesmo poucos sabendo, a cada aplicação se dá alternadamente ênfase a um dos três domínios – Leitura, Ciência e Matemática.
Destarte vale o alerta: é tempo, é hora de uma capacitação de nossos discentes e docentes, para buscarmos um ponto de inflexão nos desempenhos escolar e acadêmico que, historicamente, apresentam uma curva descendente. Nesse sentido, o INEP/MEC já se comprometeu em preparar um material na forma de pré-testes, com foco em conteúdos matemáticos, que será disponibilizado às escolas.
Para uma evolução crescente e sustentável, é necessário compreender que é com muito esforço que se aprende a raciocinar, além de ser uma atividade praticamente solitária. Para muitos, a Matemática é vista como uma ciência lúgubre, sinistra, abstrata e com cara de poucos amigos. Por isso mesmo, em tom jocoso, se diz que a Matemática não se aprende só com cérebro, mas também com as nádegas: é preciso uma cadeira, uma mesa, folhas de rascunhos (ou algum equivalente tecnológico), um ambiente silente e, antes de tudo, disciplina e boa disposição para resolver problemas mais complexos.
Ainda que a Matemática seja a "rainha e serva de todas as ciências", pois não há ciência sem fundamentação matemática, seguramente tem o condão de desenvolver a têmpera racional da mente. Todos os que sobre ela se debruçaram intensamente por ela se apaixonaram. É um "mundo de infinita harmonia", nas palavras do escritor Ernesto Sábato.
Quando em visita ao Brasil, Howard Gardner – psicólogo cognitivo, professor de Harvard, autor da Teoria das Inteligências Múltiplas – ministrou palestra (a qual tive o privilégio de assistir) sobre o espectro das nove inteligências por ele propostas. Ao ser indagado sobre as mais valorizadas para o mercado de trabalho, Gardner foi enfático: “É a combinação da união do pensamento lógico com a capacidade de lidar com as pessoas”. Assim, desenvolver na criança e no adolescente a inteligência lógico-matemática é papel preponderante dos pais e professores.
Em relação ao desempenho historicamente ruim de estudantes da Educação Básica, um bom alento advém da Implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), já no decurso de 2020 para o Ensino Fundamental e a partir de 2022 para o Ensino Médio. Luzes e esperanças estão sendo lançadas, pois entre outras habilidades está a ênfase ao raciocínio lógico, assim espera-se relegar às calendas gregas o ensino essencialmente conteudista, afeito a memorizações e hermeticamente dividido em disciplinas.
Jacir J. Venturi, formado em Matemática e Engenharia, autor dos livros Álgebra Vetorial e Geometria Analítica (10.ª edição) e Cônicas e Quádricas (5.ª edição). Foi professor e diretor de escolas públicas e privadas.