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A DISSIMULAÇÃO: DUAS FÁBULAS
O maior fabulista francês, Jean de La Fontaine (1621-1695), uma vez inquirido sobre a recorrente presença dos animais em seus textos, foi pedagógico em sua asserção: “sirvo-me dos animais para instruir os homens”.
As duas fábulas, abaixo descritas, demonstram que para sobreviver é preciso estar alerta às armadilhas da dissimulação e às artimanhas da astúcia. Um oponente conhecido é menos danoso que um amigo hipócrita. As pessoas falsas são piores que os inimigos ferozes.
A aranha, o gafanhoto e o camaleão
A aranha, o gafanhoto e o camaleão habitavam o aprazível bosque da cidade. Conviviam a uma distância razoável, pois, reciprocamente, temiam as artimanhas que sempre eram recorrentes.
A aranha foi a primeira a urdir:
― Meu caro gafanhoto, sejamos previdentes e cuidadosos! O camaleão é o rei dos disfarces, muda de cor e a gente nem percebe.
― É mesmo! − completa o gafanhoto. ― Ele fica nos troncos das árvores com cara de “boi-sonso” e é só passar por perto que ele estica aquela língua imensa e... “crau!”.
― Sim, companheiro, sempre alerta! − continua a aranha. ― Eu passo o dia fiando, mas é um olho na teia, o outro no camaleão. Você sabe, o seguro morreu de velho. Precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, dizia a minha avó.
― Belos conselhos, Dona Aranha. Esse camaleão é o mestre da desfaçatez, é o rei da dissimulação.
― Vá por mim! Dificilmente eu me engano! E tem mais − disse a aranha sussurrando. ― O camaleão tem uma armadilha mortal! Chegue mais perto, meu caro amigo gafanhoto, que eu lhe contarei.
Ingenuamente, o gafanhoto se aproxima e se enrosca todo na teia. Diante da morte certa, fica a pensar o quanto foi bobo em confiar na ardilosa aranha.
A rã e o escorpião
O fogo crepitava feroz e avassalador. Na margem do largo rio, que permeava a floresta, encontram-se a rã e o escorpião.
Lépida e faceira, a rã prepara-se para o salto nas águas salvadoras. O escorpião − que não sabe nadar − aterroriza-se ante a morte certa, ou estorricado pelas chamas ou impiedosamente tragado pelas águas revoltas.
Arguto, e num esforço derradeiro, implora o escorpião:
― Bela rã, leva-me nas tuas costas na travessia do rio!
― Não confio em ti! Teu ferrão é inclemente e mortal − responde a rã.
― Jamais tamanha ingratidão. Ademais, se eu te picar, morte certa para nós dois.
― É verdade − pensou candidamente o bondoso batráquio. ― Então suba!
E lá se foram, irmanados e felizes. No entanto, no meio da travessia, a rã é atingida no dorso por uma impiedosa ferroada. Entremeando dor e revolta, trava o derradeiro diálogo:
― Quanta maldade! − exclama a rã, contorcendo-se. ― Não vês que morreremos
os dois?!
― Sim − responde o escorpião. ― Mas esta é a minha natureza!
Jacir J. Venturi Professor e diretor de escola e autor do livro Da Sabedoria Clássica à Popular