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Há aqueles que fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la.
Há uma fábula da saga intelectual do povo grego que enseja preciosas lições. Os deuses do Olimpo estariam temerosos com a evolução dos homens pelo uso da inteligência, tendo percebido que, em pouco tempo, poderiam se igualar aos próprios imortais. Então, o tonitruante e todo-poderoso Zeus, divindade suprema, vociferou: “Vamos nos insurgir! Escondamos do homem o seu talento e ele jamais nos alcançará!”
Mas onde esconder o talento do homem? Poseidon, deus dos mares, sugeriu mergulhar nas profundezas dos oceanos; Apolo, deus da luz e das artes, indicou levar ao cume do Himalaia; Ares, deus da guerra, propôs lançar nos desfiladeiros das Termópilas; Deméter, deusa da agricultura e da fertilidade, recomendou enterrar nas areias movediças do Saara; Hefesto, deus do fogo, aconselhou jogar nos magmas vulcânicos do Vesúvio.
Impávido e altaneiro, o poderoso Zeus se levantou-se do trono e deu o veredito: “Nada disso! O melhor esconderijo para o talento do homem é no interior dele mesmo, onde ele não há de procurar.”
Essa fábula enaltece o quanto jazem latentes e escondidos, em tantos de nós, as potencialidades, os dons, as virtudes, os valores, o autoconhecimento. Quanta riqueza desconhecida há em cada um de nós!
Howard Gardner, professor e psicólogo da Universidade de Harvard, publicou, em 1987, a teoria das nove inteligências múltiplas: lógico-matemática, linguístico-verbal, musical, espacial, corpóreo-cinestésica, interpessoal, intrapessoal, naturalista e existencial.
Na teoria, Gardner baseou-se em duas premissas complementares: a primeira, que cada tipo de inteligência nos é concedida como herança biológica; e a segunda, que as habilidades do ser humano são “como um cristal multifacetado e, tal qual, pode e deve ser polido”.
Para neurocientistas e psicólogos, o peso atribuído à genética na formação de uma pessoa talentosa é estimado entre 30% e 50%. No entanto, é também consenso que nossas potencialidades serão desenvolvidas com elevados estímulos, determinação, muita transpiração e disciplina pessoal, pois, no caminho que leva aos píncaros de algum reconhecimento, poucos são os bancos com sombra. Além disso, tão importante quanto ter consciência de nossos talentos é conhecer nossas limitações e fragilidades, pois nem todos os caminhos são para todos os caminheiros.
Em muitas fases da vida, a travessia é penosa, plena de incertezas como se estivéssemos navegando em noite escura sem carta náutica. Mas com enlevo e espiritualidade, sejamos flexíveis, resilientes, solidários, porque sempre há uma lua que resplandece no céu, símbolo da esperança e da fé em um novo amanhã com as luzes de um sol radiante.
“A gente é para brilhar. Brilhar com brilho eterno”, declama o grande poeta soviético Vladimir Maiakóvski (1893-1930). Ele próprio era um gênio do talento linguístico, mas inconsistente nos relacionamentos humanos, na inteligência interpessoal, por ser intempestivo, vaidoso, cáustico, alcoólatra. Dizia: “prefiro morrer de vodca a morrer de tédio”. Após concluir o famoso poema A plenos pulmões, com um tiro no peito tirou a própria vida. O poema, publicado postumamente, é um manifesto de despedida e desilusão. Por ser crítico do regime stalinista, há a versão de que o suicídio de Maiakóvski teria sido forjado.
Aqui entre nós, temos como exemplo a poeta paranaense Helena Kolody (1912-2003), intensamente expressiva por seus talentos linguísticos, inter e intrapessoais. Era afável, carismática e, como professora, uma grande didata. A obra da saudosa poeta nos serviu de inspiração para o título deste artigo: “Deus dá a todos uma estrela. Uns fazem da estrela um sol. Outros nem conseguem vê-la”.
Jacir J. Venturi foi professor e diretor da Educação Básica e Superior. É Cidadão Honorário de Curitiba. Autor de 4 livros.